DOR
Resumo. A dor não é somente um sintoma biológico mas também social, pois na medida que a dor intensifica, ela passa a ter interferencias no humor e na vida social do indivíduo, notadamente no trabalho. A forma mais prática de se visualizar as reais dimensões da dor é o modelo de Loeser (figura 1), o qual relaciona a dor dentro do cenário biológico, psiquico e social, possibilitando tratamentos com atuação nas diferentes dimensões.
A nivel biológico temos a nocicepção e a dor, e que dependem dos circuitos nervosos, que iniciam-se no corpo e chegam no sistema nervoso central (figura 2). A nível psíquico e social temos o sofrimento e o comportamento doloroso, os quais se instalam na medida da intensificação e cronificação, levando a afastamento do trabalho, redução na função social, aposentadoria etc. Para um tratamento eficaz da dor é importante a análise dos locais onde ela se manifesta, sua intensidade e seu tipo e os fatores psicológicos e sociais relacionados.
O que é a dor. Uma definição técnica de dor foi proposta pela associação internacional para o estudo da dor (IASP) como: a dor é “uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a um dano real ou potencial dos tecidos corporais, ou descrita em termos de tais lesões. Enquanto experiência sensorial a sensação produzida pelo estímulo nocivo (picada, corte trauma) é iniciada nos tecidos periféricos (nocicepção) comom pele, músculos, vísceras, etc. Embora a regra seja de que estímulos capazes de gerar dor (nocivos), ativem os nociceptores (neurônios receptores de dor), gerando dor, esta pode não ocorrer caso exista uma lesão do no nervo periférico (fibra C e A-delta), conforme mostra o vídeo abaixo sobre pessoas que não sentem dor
Anatomicamente (como uma rede elétrica) o estímulo doloroso é levado do nervo periférico até a medula espinhal, onde estas fibras fazem sinapse (contato) em um segundo neurônio localizado no corno posterior da medula ou no no caso do crânio, no núcleo do nervo trigêmio. A partir deste segundo neurônio, origina-se a via dolorosa conhecida como sistema espinotalâmico, o qual cruza (decussa) para o lado contralateral e ascende até o tálamo. Após o tálamo o estímulo se distribui para várias área do cérebro, chegando ao córtex; do tálamo ao córtex a dor já é consciente.
A experiência sensorial desagradável, segundo a definição que vimos anteriormente, é mais complexa que a sensação dolorosa, sendo produzida dentro de múltiplas áreas cerebrais onde são acrescentados vários elementos à sensação de dor. Entre estes elementos temos os afetivos e emocionais desagradáveis como desconforto, medo e fuga; adicionalmente o sistema nervoso produz elementos discriminativos, como por exemplo onde a dor se localiza no corpo, se é fraca ou forte, periculosa ou não, etc.
Uma comparação (analogia) útil para se entender a dor. A boa forma de se entender o cenário montado dentro do sistema nervoso pela experiência dolorosa, é compará-la ao campo de batalha. O batalhão repousa num campo de guerra, quando subitamente as sirenes tocam e anunciam a proximidade do inimigo (o estímulo nocivo), daí então, todos os soldados entram em alerta, atitude defensiva, percepção de perigo, medo, ameaça, etc; também os soldados assumem atitudes defensivas como fuga, resistência, discriminação dos melhores postos de defesa etc. Finalizando, a dor é um agenteque desencadeia uma reação de estresse dentro do sistema nervoso, reação esta que cede na medida de resolução (cura) da lesão causadora. Na dor crônica por outro lado não ocorre a cura e o sistema nervoso continuará recebendo as informações dolorosas de forma persistente e proporcional a intensidade da dor. Além do estresse a dor crônica é acompanhada de um estado emocional e afetivo negativo, onde encontra-se medo, ansiedade, mau humor, ruminação negativa etc que a medida que progride pode levar a exaustão de vários setores do sistema nervoso gerando depressão. Seguindo o modelo de Loeser, na dor aguda o sofrimento e comportamento doloroso podem ser leve ( fratura ossea pequena), mas nos quadros crônicos e severos (dor oncológica por exemplo), leva a sofrimento e comportamento doloroso mais pronunciado, com afastamento do trabalho, insônia, mau humor, ansiedade, depressão etc.
Video 1 sobre pessoas que não sentem dor. Vídeo mostra paciente que não sente dor, condição secundária a uma mutação genética nas fibras que conduzem dor no nervo periférico (figura 1). Este quadro é muito semelhante à hanseníase, mas diferindo da mesma pois esta ocorre após um período de vida normal, enquanto naquela a doença é ocorre desde o nascimento. Esta doença que estudaremos melhor no capítulo das polineuropatias crõnicas, ilustra o fato que a dor é um sistema defensivo e protetivo muito importante para a sobrevida; o neurologista do vídeo inclusive enfatiza que a dor nossa de todos os dias é benéfica. A dor também é necessária para presevação da espécie, mas não absolutamente necessária (pelo menos na humanidade atual), pois, também se vive sem dor como no caso do vídeo. A ausência de uma reação nervosa ao estímulo nocivo, levou o paciente a lesões severas como queimaduras e amputações de dedos indolores e em muitos casos imperceptível. Uma vez que não há reações defensivas importantes torna-se necessário um aprendizado de condutas, atitides e pensamentos para evitar lesões, etc. Neste caso não há sofrimento à dor conforme o modelo de de Loeser
Sistema Descendente ou de Supressão da Dor. Após entendido o sistema ascendente, é importante conhecer o sistema descendente (SD), o qual vindo do córtex para a medula, é o principal mecanismo que o sistema nervoso utiliza para reduzir a dor. Descendo a partir do córtex cerebral o SD vai recebendo várias vias (aferências), dentre as quais as mais conhecidas são a substãncia cinzenta periaquedutal (PAG) e a medula rostroventromedial (figura 2). Para reduzir a dor os principais transmissores do SD, são a serotonina e noradrenalina, os quais em seguida induzem a liberação de opióides endógenos (substâncias estas similares a morfina) no corno posterior da medula, levando ao efeito analgésico. Este mecanismo explica em parte a interrelação entre dor e depressão uma vez que utilizam alguns transmissores em comum. Aumentar atividade analgesica do SD é um dos pilares na terapia da dor, uma vez que várias síndromes dolorosas cursam com hipoatividade no SD; na fibromialgia por exemplo, acredita-se que o SD esteja hipoativo, levando a um aumento na percepção da sensação dolorosa.
Atualmente sabe-se que o SD pode ser ativado de múltiplas formas incluindo mecanismo farmacologico como os antidepressivos amitriptilina e duloxetina, e, mecanismos nao farmacológicos como acupuntura, estimulação elétrica transcutânea, estimulação magnética transcraniana, etc. Um conjunto de atividades comportamentais também podem ser utilizados para aumentar a atividade do SD como exercício físico regular, uma boa noite de sono, exercícios de relaxamento, etc
Referências
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