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Neuropatia multifocal: Diabetes mellitus

Neuropatia multifocal: Diabetes mellitus

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Resumo. A polineuropatia distal e simétrica do diabetes pode associar-se a neuropatias focais (túnel do carpo, oftalmoplegia) produzindo um quadro assimétrico. Por outro lado uma neuropatia multifocal pode aparecer sem polineuropatia principalmente em um membro inferior. Das neuropatias focais são importantes o comprometimento de nervos cranianos tipo oftalmoplegia e paralisia facial e nos membros superiores as neuropatias compressivas do nervo mediano no túnel do carpo e do nervo ulnar no cotovelo. Nos membros inferiores (MMII)  ocorrem dois tipos de neuropatia multifocal do DM: 1) a neuropatia proximal com atrofia e dor na região do quadríceps, e 2) uma forma mais complexa denominada radiculoplexopatia, na qual além da atrofia e dor do quadríceps, apresenta maior sistematização, com emagrecimento importante, dor severa (coxa anterior, lombar e toráx). No tórax e abdome ocorre uma neuropatia mais rara denominada radiculoneuropatia, com dor torácica localizada de forma muito similar ao herpes zoster, mas sem erupção cutânea. O tratamento inclui melhorarias no controle do DM, corticoterapia ou imunoglobulina endovenosa na radiculoplexopatia.

Neuropatia Multifocal (NMF) ou Mononeuropatia Múltipla (MNM). Nas mononeuropatias ocorre comprometimento isolado de um único nervo, nas NMF-(MNM) há o comprometimento de 2 ou mais nervos de forma assimétrica, nas polineuropatias há o comprometimento simétrico de múltiplos nervos e nas radiculoplexopatias há comprometimento assimétrico proximal e distal de múltiplos nervos. As principais NMF-(MNM) encontram-se discriminadas na tabela 2.

Embora a polineuropatia distal simétrica seja a neuropatia mais comum do DM, existe além dela uma gama variada de neuropatias envolvendo os nervos cranianos, os membros superiores e inferiores e o tronco; desta forma é importante sempre ter de antemão uma elevada suspeição diagnóstica de DM, em qualquer neuropatia periférica e não somente nas polineuropatias. Também a polineuropatia distal simétrica pode estar conbinada a outras neuropatias notadamente aquelas compressivas envolvendo o nervo mediano e ulnar. Embora neste caso exista assimetria, não se trata da neuropatia multifocal do diabetes, também denominada radiculoplexopatia descrita abaixo.

Otalmoplegia e paralisia facial. A oftalmologia corre em DM I ou DM II, com mais de 50 anos, caracterizada por um início rápido (dentro de 1 a 2 dias), com dor  retro ou supraorbital que precede um quadro de oftalmoplegia (paralisia do olhar) do mesmo lado da dor. O comprometimento dos nervos da motilidade ocular (oculomotores III e VI), em geral é parcial com ptose (queda da pálpebra) importante e déficit nos movimentos oculares nas direções medial, para cima e para baixo. A pupila em geral não é comprometida, fato que permite diferenciar esta neuropatia, daquela uma compressão por aneurisma ocorrendo na artéria comunicante posterior. O sítio mais provável  da lesão (isquêmica) é o seio cavernoso. A RNM é importante para diferenciar a oftalmoplegia, de lesões estruturais (aneurisma) e inflamções (Tolosa Hunt) etc. O tratamento é conservador e a recuperação é completa em 2-3 meses.

Paralisia facial (Bell). parece ocorrer com mais frequência em pacientes com DM do que na população normal (ver paralisia facial), não havendo entretanto estudos conclusivos a este respeito. Relativamente ao tratamento com antiviral e corticoterapia, é importante no caso do DM que seja avaliado junto ao endocrinologista, o risco e benefício da corticoterapia.

Mononeuropatias. Das neuropatias focais, são importantes o comprometimento do nervo mediano no túnel do carpo (STC), e do nervo ulnar no cotovelo, condições frequentemente associadas à polineuropatia distal simétrica (ver capítulo específico). No caso da STC, a ENMG pode delimitar com maior precisão a gravidade da compressão e estabelecer se o tratamento será conservador ou cirúrgico; já no caso da compressão do nervo ulnar no cotovelo, é importante associação de dados clínicos da ENMG e radiológicos para medir a severidade da lesão. Outras mononeuropatias comuns em DM são a do nervo peroneal e a meralgia parestésica.

Radiculoneuropatia truncal (RNPt). O termo RNPt refere ao comprometimento de uma raiz espinhal ou de um nervo intercostal (tórax ou abdome); esta lesão pode manifestar-se de forma isolada ou associado a radiculoplexopatia (RDP). O início da RNPt é súbito, com dor focal em queimação no tórax ou abdome, com piora noturna. O exame em geral e pobre sendo possível delimitar uma área de hipoestesia (adormecimento) e hiperpatia; um abaulamento na parede abdominal (déficit motor) ou mesmo uma hérnia abdominal pode ser encontrado.

Caso o paciente apresente também uma perda de peso importante, devemos pensar na associação com radiculoplexopatia. As principais condições a serem analisadas no diagnóstico diferencial são o herpes zoster e outras dores viscerais referidas tipo isquemia do miocárdio, colecistopatia etc. O tratamento é aquele da dor neuropática podendo-se também tentar tratamento local com capsaicina e adesivos de lidocaína. Em geral o quadro resolve em alguns meses e caso a resolução não venha, pode ser necessário uma RNM da coluna torácica ou lombar para excluir patologia discal ou medular.

Neuropatia diabética proximal dos MMII. Esta neuropatia já teve várias  denominações incluindo síndrome de Bruns e amiotrofia femoral. Ela ocorre em pacientes com DM acima dos 50 anos, apresenta-se de forma aguda ou subaguda, combinando variavelmente dor e atrofia muscular proximal unilateral, sendo limitada a um membro inferior; diferenciando-se da radiculoplexopatia por ser um quadro localizado e não apresentar emagrecimento importante. A dor ocorre geralmente na região anterior da coxa, associada a adormecimento, queimação, piora noturna e desconforto ao contato de objetos na pele.

A fraqueza importante notadamente ao subir escadas é comum e relacionada ao déficit no quadríceps. Em geral o quadro progride por semanas ou meses, com posterior estabilização, mas, podendo deixar sequelas tipo déficit motor, atrofia muscular e perda de sensibilidade na parte anterior da coxa. A recuperação pode levar até 3 anos, estando muitos paciente sujeitos a recidiva contralateral,  mesmo havendo bom controle do DM; tratamento é conservador.

Infarto muscular do DM. A título de diagnóstico diferencial do comprometimento muscular proximal do DM, citamos o infarto muscular que ocorre no DM, principalmente em pacientes sem bom controle glicêmico e com complicações sistêmica. Os músculos mais comprometidos são o vasto medial e lateral, adutores da coxa, bíceps femoral, panturrilha etc; outros locais como os MMSS são raramente comprometidos. Caracteristicamente existe dor aguda localizada, edema e dolorimento local e ausência de sinais de infecção sistêmica, celulite ou tromboflebite etc. Uma massa muscular dolorosa persiste no local comprometido por semanas e ocasionalmente com exacerbações.

Os sintomas resolvem em algumas semanas podendo haver recidiva em outro grupo muscular em 50% dos casos. O tratamento é conservador com analgesia e fisioterapia. Diferentemente da neuropatia motora proximal dos MMII e da neuropatia multifocal que ocorrem no DM, a dor do infarto muscular é focal não  neuropática, enquanto naquelas é neuropática com irradiação, sem massa dolorosa palpável nem sistematização clínica. No infarto muscular diabético a CPK pode ser normal ou pouco elevada, a ENMG sugere miopatia e o tratamento é conservador

Radiculoplexopatia. A RDP (figura 2) ocorre mais comumente em pacientes com DM tipo 2 de meia idade a idoso, podendo mais raramente o DM ser diagnosticado no início da RDP; caso não exista DM, o segundo diagnóstico mais comum é a RDP autoimune clinicamente similar àquela do DM.  A RDP é similar a neuropatia proximal descrita anteriormente, diferenciando-se da mesma tanto por uma maior gravidade do quadro local, quanto por uma maior sistematização.

O início é agudo a subagudo associando variavelmente dor intensa, atrofia do quadríceps e comprometimento de raiz torácica (figura 1), conforme descrevemos na radiculoneuropatia. A dor é intensa com sensação de choque, queimação e adormecimento, podendo ocupar parcial ou totalmente uma região desde uma área focal no tórax e/ou abdome, passando pela região lombar, nádega, quadril, coxa, podendo chegar à perna e pé. A atrofia do quadríceps, pode levar a dificuldade ou mesmo impossibilitar a marcha e favorecer quedas.

Variações na RDP não são incomuns tais como comprometimento bilateral, sintoma distal ipsilateral e sintomas proximal contralateral e ocorrência de mononeuropatias (nervo do ulnar, fibular etc). Nas variantes assim como as formas mais típicas, a RDP é sempre marcada por assimetrias. A RDP quando se expressa completamente assemelha-se a uma catástrofe biológica, com sofrimento severo relacionado a dor neuropática, emagrecimento acentuado, atrofia e déficit motor limitando a marcha, depressão, perda de função social, ou seja a caricatura do modelo biopsicossocial de dor proposto por Loeser (ver capítulo de dor crônica).

No tratamento deve-se inicialmente tranquilizar o paciente que apesar da severidade ou mesmo da aparente catástrofe, a recuperação lenta é a regra. O principal tratamento da RDP é de base imunológica com corticoterapia ou imunoglobulina EV, devendo-se sempre avaliar junto ao endocrinologista, as vantagens e desvantagens da corticoterapia em DM. Segue-se o tratamento da dor neuropática dentro da forma tradicional, incluindo tratamento tópico com capsaicina e emplastro de lidocaína. Pode ser necessário tratar depressão e ansiedade e a melhor opção é a duloxetina ou venlafaxina. Fisioterapia deve dar enfoque na reabilitação motora da parede abdominal e quadríceps, podendo ser necessário o uso de uma órtese em um membro inferior, quando o déficit motor do quadríceps dificultar a marcha

Diagnóstico. Conforme explicamos na tabela 1, a RDP diferencia-se da NMF-(MNM) das vasculites pois nestas o predomínio do déficit e da dor é distal e assimétrico, enquanto na RDP embora possam existir sintomas distais assimétricos, os sintomas proximais são mais proeminentes. A RDP é um quadro prolongado por meses e a ENMG pode demorar mais de 15 dias para evidenciar suas alterações mais típicas tais como desinervação na musculatura paravertebral, torácica, abdominal ou apendicular.

Referências

Nascimento OJM, Pupe CCB, Cavalcante EBU. Diabetic neuropathy. Rev Dor 2016; 17: 46-51

Said G. Focal and multifocal diabetic neuropathies. Arq Neuropsiquiatr 2007; 65(4B):1272-8.

Pasnoor M, Dimachkie MM, Barohn RJ. Diabetic neuropathy part 2: proximal and asymmetric phenotypes. Neurol Clin. 2013 May;31(2):447-62

Llewelyn DR, Tomlison DR, Thomas PK. Diabetic neuropathies. In: Dick PJ, Thomas PK. Peripheral Neuropathy  4th ed, Elsevier, Philadelphia(USA) 2005 pp 1951-1991.

 

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