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Neuropatia multifocal 2: Hanseniase

Neuropatia multifocal 2: Hanseniase

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Resumo. Diversos formas de neuropatia são possíveis na hanseníase incluindo neuropatia intradérmica, mononeuropatia, mononeuropatia múltipla, e polineuropatia. Nas formas iniciais predominam queixas sensitivas tais como perda de sensibilidade, dor e formigamento, pontadas, inchaço,  aumento de volume e disestesia, nas formas mais avançadas podem ocorrer úlceras cutâneas, mal perfurante plantar, déficit motor e amiotrofia de deformidades. A neuropatia da hanseníase acomete todas as modalidades de sensibilidade incluindo dor, temperatura, vibração, cinético-postural, motoras e autonômicas. O diagnóstico diferencial da hanseníase é variado: nas mononeuropatias ela deve ser diferenciada das neuropatias focais compressivas ou não, na neuropatia multifocal das vasculites e diabetes, e, nas polineuropatias o diagnóstico é mais amplo. O espessamento neural de forma clínica, pelo ultrassom ou ressonância magnética é também um valioso. Biópsia de nervo ou nervo e músculo pode ser necessária na diferenciação com vasculites

Neuropatia Multifocal ou Mononeuropatia múltipla. As principais NMF-(MNM) são as neuropatias das vasculites sistêmicas (NVS), vasculites não sistêmicas (NVNS), hanseníase, neuropatia multifocal do diabetes e outras discriminadas na tabela 1, ao final do texto . Em virtude de ser uma doença frequente no Brasil, a hanseníase deve sempre ser suspeitada em caso de mononeuropatias e NMF-(MNM), mesmo na ausência de lesões cutâneas, pois, assim como as neuropatias vasculíticas não sistêmicas, a hanseníase têm uma forma restrita ao sistema nervoso periférico, conhecida como forma neural primária, na qual não existe qualquer comprometimento além do sistema nervoso periférico.

Neuropatia nas diferentes formas clínicas. Os tipos polares da hanseníase encontram-se determinados na figura 1. A forma indeterminada caracteriza-se por máculas hipocrômicas ou áreas circulares de pele aparentemente normais, com  distúrbios de sensibilidade; nesta forma a lesão nervosa é intradérmica e os troncos nervosos são poupados. Nas formas paucibacilares (tuberculóide e tuberculóide dimorfa), um ou poucos nervos são acometidos, enquanto nas formas multibacilares (virchowiana, virchowiana dimorfa e dimorfa) há comprometimento de múltiplos nervos.

Apresentação Clínica. A apresentação clínica pode ser aguda, subaguda e crônica  incluindo as formas reativas, sendo a denominação forma crônica para casos de mais de 3 meses de evolução. Diversos formas de neuropatia são possíveis na hanseníase incluindo neuropatia intradérmica, mononeuropatia, mononeuropatia múltipla, e polineuropatia.

Nas formas iniciais predominam queixas sensitivas tais como perda de sensibilidade, dor e formigamento, pontadas, inchaço,  aumento de volume e disestesia. A neuropatia da hanseníase não é somente uma neuropatia que leva a perda da sensibilidade dolorosa, conforme crença popular, mas também, acomete todas as modalidades de sensibilidade incluindo a dor, temperatura, vibração, cinético-postural, motoras e autonômicas; quadros de dor neuropática por exemplo podem ocorrer  em acima de 50% dos casos hanseníase (Garbino JA et al., 2015). Nas formas mais avançadas, as diferentes mononeuropatias pode se sobrepor resultando um padrão de polineuropatia assimétrica ou mesmo de uma polineuropatia. Nos casos mais avançados, podem ocorrer úlceras cutâneas, mal perfurante plantar, déficit motor e amiotrofia de deformidades. O espessamento neural é um achado importante na hanseníase devendo sempre ser investigado (figura 3)

Reações da Hanseníase e Neurites. As reações hansênicas são quadros inflamatórios que ocorrem em todas as formas clínicas da doença, com menor frequência na forma   indeterminada. A reação do tipo 1 (RT1) ocorre nas formas que apresentam boa resposta imune celular enquanto na reação tipo 2 (RT2) ou eritema nodoso, esta resposta é deficiente. Tanto na RT1 quanto na RT2 ocorrem lesões de pele abundantes incluindo a associação de eritema nodoso na RT2.

Em geral nas reações existe inflamação e edema importantes a nível dos sítios normais de compressão nervosa (neurites), acarretando associação variável  de sintomas tipo dor, déficit sensitivo, déficit motor e intumescência de nervos (nervo espessado clinicamente); nestes casos em geral a dor é aguda e intensa podendo ser necessário uma descompressão cirúrgica do nervo. Os locais mais frequentes de compressão são os sítios comuns de compressão nervosa tais como aquelas do nervo ulnar no cotovelo e canal de Guyon, o mediano no túnel do carpo, o fibular no túnel retro-fibular e o tibial no túnel do tarso. Na RT1 e RT2 ocorrem lesões cutâneas e neurais, e adicionalmente, na RT2 qualquer órgão sistêmico pode ser envolvido manifestando-se então com febre, glomerulonefrite, orquiepididimite, miosite, artrite etc. Os testes laboratoriais mostram neutrofilia, hipergamaglobulinemia iGG e IGM e proteinúria.

Diagnóstico. O diagnóstico da hanseníase é sempre feito em colaboração com o dermatologista e muitas unidades de saúde pública dispões de serviços de excelência. Nas mononeuropatias isoladas deve-se fazer diagnóstico com as neuropatias focais como as lesões do nervo mediano, ulnar, peroneal etc. Os nervos mais comumente lesados e nos quais pode-se confirmar o espessamento neural encontram-se discriminados na figura 3. O diagnóstico diferencial da hanseníase encontra-se discriminado na tabela 1 abaixo.

As NMF discriminadas na tabela dividem-se em 2 grupos básicos, um doloroso e outro não doloroso ou pouco doloroso; no primeiro grupo temos as vascuítes sistêmicas (NVS) e não sistêmicas (NVNS) a hanseníase e a radiculoplexopatia do diabétes. Quando especificamos dor queremos dizer dor aguda, severa ou intensa, a qual adicionalmente é acompanhada de um quadro deficitário sensitivo (perda de sensibilidade) e motor (fraqueza), tudo isto distalmente, excetuando-se a NMF do diabetes onde o quadro é proximal em um membro inferior, mantendo a intensidade e severidade.  

No lado oposto temos as neuropatias multifocais não dolorosas ou com pouca dor, desmielinizantes e com espessamento neural. A hanseníase pode se situar nos dois extremos da tabela, pois, pode ocorrer com ou sem dor assim como na região proximal e distal. Embora a lesão cutânea seja um marcador importante da hanseníase, a ausência de lesão cutânea não excluí o diagnóstico pois existe a forma neural pura da hanseníase, a qual é similar às NVNS, das quais se diferencia pelo espessamento neural,  pela baciloscopia positiva (esfregações e lesões cutãneas), e por último, por uma biópsia de nervo com a presença de granuloma. Adicionalmente nas  NVS e NVNS també ocorre  elevação isolada da VHS nestas, e naquelas uma positividade (mais frequente) dos testes reumatológicos como proteína C reativa, ANCA e fator reumatóide enquanto nas NVNS; na hanseniase reacional algumas das provas reumáticas podem ser positivas, ocorrendo na verdade uma doença sistêmica como nas NVS. 

Nem sempre a biópsia de nervo, mostrará todos os achados anatomopatológicos da hanseníase, sendo necessário correlação de dados clínicos, laboratoriais e histopatológicos para se chegar ao diagnóstico final. Uma vez que nas reações hansênicas podem ocorrer comprometimento de vários órgãos, a diferenciação entre hanseníase reacional e neuropatia vasculítica sistêmica, pode ser difícil, desta forma a análise dos testes reumatológicos propostos no capítulo de vasculites é de grande ajuda. Outras neuropatias multifocais serão desenvolvidas no próximo capítulo

Tratamento. O diagnóstico e tratamento da hanseníase no brasil, é sempre feito em colaboração com um dermatologista experiente na doença, em muitos casos disponíveis nos serviços de saúde pública. As reações da hanseníase são tratadas com corticoesteróides, sendo talidomida indicado na RT. Dor neuropática pode ocorrer devendo ser tratada dentro dos padrões da dor neuropática em geral. Reabilitação motora deve ser iniciada assim que quadro for controlado.

Referências

Collins MP, Kissel JT. neuropathies associated with systemic vasculitis. In: Dick PJ, Thomas PK: Peripheral Neuropathy,  4th ed, Philadelphia, Elsevier, Saunders (USA) 2005, pp 2335-2404.

Garbino JA, Marques Junior W. (2014) A neuropatia da Hanseniase. Em: Alves ED, Ferreira TL, Ferreira. Em. Hanseniase Avanços e Desafios. Universidade de Brasília, Brasília DF (2015) PP 215-230

Opromola DVA, Ura S. Atlas de Hanseniase. Instituto Lauro Sousa Lima 2002.

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