Enxaqueca crônica: o que fazer
Resumo. Enxaqueca crônica (EC) é ocorrência de cefaléia do tipo enxaqueca por mais de 15 dias ao mês por mais de 3 meses, na ausência de outras patologias. A cronificação da enxaqueca acarreta um grande impacto na qualidade de vida, não somente pela dor diária ou quase diária, mas também pela sua possível associação com cefaleia por abuso de analgésicos, insônia, depressão e fibromialgia. O tratamento da EC baseia-se em medidas não famacológicas incluindo a utilização do diário de enxaqueca, redução nos fatores de risco (quando possível) melhoria no estilo de vida e do sono, atividade física regular, acupuntura etc; entre as medidas farmacológicas deve-se abolir o abuso de analgésicos e utilizar topiramato ou divalproato de sódio. A injeção de toxina botulínica, é um novo tratamento para EC, aprovado pelo FDA (EUA) e ANVISA no Brasil. O link para download do diário de cefaleia de autoria da sociedade brasileira de cefaleia, encontra-se nas referências ao final do capítulo. Também ao final do capítulo encontra-se o link para download do aplicativo enxaqueca buddy
Enxaqueca crônica. É ocorrência de cefaléia por mais de 15 dias ao mês, durante mais de 3 meses, com crises características de enxaqueca por pelo menos 8 dias ao mês, na ausência de outras patologias; também é necessário que o paciente tenha antecedente de episódios (5 episódios) de enxaqueca ICHD-3 beta - 2013). Estes critérios são importantes para separar os episódios da cefaleia de tensão daqueles da enxaqueca, uma vez que ambos tipos de cefaleia, podem estar ocorrendo no mesmo paciente. Também é importante separar a EC da cefaléia por abuso de analgésicos (ver a frente), uma vez que 50% dos pacientes com enxaqueca crônica (aparente), revertem para enxaqueca episódica com a retirada dos analgésicos. A cronificação da enxaqueca gera um importante impacto na qualidade de vida do paciente, não somente pela dor crônica mas também pelas suas associações com transtornos como fibromialgia, depressão e insônia. O entendimento dos fatores que levam a cronificação permitem que medidas preventivas sejam tomadas
Transformação da enxaqueca de episódica para crônica. A história mais típica da EC é aquela do paciente do sexo feminino, que apresenta enxaqueca episódica com ou sem aura na adolescência, mas que no transcurso de meses ou anos as crises passam a sofrer uma transformação, em que os episódios isolados de cefaleia transformam-se numa cefaleia mais frequente. A cefaleia assim instalada ocorre por mais de 15 dias ao mês, com episódios dolorosos tipo enxaqueca (com aura ou sem aura), associados a dor tipo cefaleia tensional (aperto), predominando entretanto os episódios de enxaqueca (ICHD-3 - Beta 2013). É importante suspeitar de EC quando pacientes com enxaqueca episódica, passam a apresentar cefaléia por mais de 15 dias ao mês. Finalmente é importante levar em consideração o abuso de analgésicos e demais fatores de risco.
Fatores de risco. Na história clínica dos pacientes com enxaqueca, existem alguns fatores de risco relacionados à cronificação e que precocemente podem ser identificados, possibilitando a prevenir a EC, quando estes fatores forem modificáveis; entre eles citamos: sexo feminino, uma elevada freqüência de crises, eventos vitais estressantes, depressão, obesidade (índice massa corporal >30) elevado, consumo de cafeína, ronco, traumatismo de crânio, baixo nível escolar e abuso de medicamentos abortivos de crises (Silberstein SD et al., 2006)
Cefaleia por abuso de analgésicos. Esta cefaleia é definida quando uma cefaléia pré-existente piora e passa a ocorrer por ≥ 15 dias ao mês, e o (s) medicamento (s) tenham sido utilizado (s) por ≥ 3 meses. Esta cefaleia pode ocorrer com a maior parte dos medicamentos abortivos como analgésicos comuns, triptanos, ergotamínicos, cafeína, opioides e associação destas substâncias entre sí. A cafeína é a medicação com maior potencial ao desenvolvimento de cefaléia crônica diária. É importante que o paciente perceba o abuso, e que o médico faça uma suspensão programada da (s) medicação e institua o tratamento adequado; o diagnóstico de EC será confirmado após a suspensão do abuso.
Tratamento não farmacológico. A sociedade Brasileira de Cefaléia recomenda fortemente o uso do diário de enxaqueca (anexo ao final do capítulo), permitindo identificar os gatilhos das crises e ajuste no novo estilo de vida. A acupuntura é recomendada pelo consenso latino americano (Giacomozzi AR et al., 2013) e adicionalmente, ela apresenta evidências favoráveis na cefaleia tensional. Especificamente em termos de EC, uma metanálise (Sun Y., 2008) evidenciou que a acupuntura tem eficácia superior àquela do tratamento medicamentoso, reduzindo a intensidade e a da freqüência dos episódios dolorosos. Salientamos que o efeito benéfico da acupuntura é lento e aparece pela quarta semana do tratamento (Sun Y., 2008). Vantagens adicionais da acupuntura é o seu perfil de segurança, praticamente desprovido de efeitos indesejáveis, além de possibilitar redução na medicação oral.
Mudanças no estilo de vida são importantes e o consenso latino americano (Giacomozzi AR et al., 2013), indica terapias não farmacológicas e complementares, as quais podem ser escolhidas em acordo com o gosto pessoal: redução de atividades gerais, higiene do sono, alimentação saudável, redução no consumo de cafeína, atividades prazerosas, redução no estresse, terapia cognitiva comportamental, biofeedback, yoga, meditação, relaxamento, terapias físicas de relaxamento, exercício aeróbico leve a moderado etc.
Tratamento farmacológico. O consenso latino americano para o tratamento da EC, indica apenas topiramato, divalproato e valproato de sódio (Giacomozzi AR et al., 2013). Estas medicações, embora despertem rejeição e abandono do tratamento por parte de alguns pacientes, por serem medicamentos controlados, salientamos que as vantagens superam as desvantagens desde que seu uso seja bem acompanhado. Outras medicações comumente utilizadas em enxaqueca como amitriptilina, gabapentina, pregabalina e tizanidina não são oficialmente recomendadas para EC.
A toxina botulínica Tipo A (TBA). É um novo tratamento recomendado para pacientes com enxaqueca crônica, na faixa etária de 18 a 65 anos de idade; este tratamento foi aprovado pelo FDA, pela ANVISA e pelo consenso latino americano de cefaleias (Giacomozzi AR et al., 2013). No parecer do FDA (FDA 2010), a TB é especificamente indicada, para pacientes com enxaqueca crônica cujos episódios dolorosos ocorrem com freqüência de ≥ 15 dias no mês. O método de aplicação da TB é recente, altamente seguro, sendo padronizado a injeção de 200 unidades de TBA em 32 pontos musculares (figura 2), distribuídos no crânio e na coluna cervical bilateralmente (16 pontos de cada lado). Em geral são preconizados 4 tratamentos espaçados num intervalo de 3 meses (Blumenfeld A et al., 2010). Em termos de resultados ocorre uma redução significativa na frequencia e intensidade dos episódios de cefaléia, assim como melhoria importante na qualidade de vida dos pacientes. O tratamento com TB têm eficácia similar ao topiramato mas com perfil de segurança maior em termos de efeitos adversos.
Melhora com o tratamento ocorre a longo prazo (meses a 2 anos). Além dos tratamentos propostos e das mudanças no estilo de vida, é importante que tanto o médico quanto os pacientes com EC tenham a consciência de que os resultados do tratamento surgem de forma lenta e vagarosa. Tomando como exemplo estudos em centros europeus especializados em cefaleia crônica diária, os resultados indicam uma remissão em 65% dos casos no prazo de 2 anos (Silberstein SD et al., 2006). É provável que estes resultados sejam melhorados nos anos vindouros com a adição do topiramato, toxina botulínica e a acupuntura. Estes resultados clínicos conquistados após longos e penosos esforços, associados ao elevado custo e complexidade do tratamento da EC, elucidam um antigo paradigma, que é melhor colocar nossos esforços para prevenir (ver fatores de risco) antes que aconteça a cronificação (remediar)
Referências
ICH3-Beta (2014). Cefaleia tipo tensão. Em: Classificação Internacional de cefaleias, 3ed: pp 28-29. Edição portuguesa (Portugal) da International Classification of Headache Disorders (ICH3 beta 2013)
Blumenfeld A, Silberstein S, Dodick D, et al, (2010) Method of injection of OnabotulinumtoxinA for chronic migraine: a safe, well-tolerated, and effective treatment paradigm based on the PREEMPT clinical program. Headache 2010; 50: 1406–1418
Enxaqueca buddy. Disponível em: https://play.google.com/store/apps/details?id=com.healint.migraineapp
Sociedade Brasileira de Cefaléia. Díario de cefaléia. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1VmzqLNTrGmljwm8-Au73Fpl2lMpIe1-s/view?usp=sharing
Silberstein SD, Olesen J. Chronic migraine. In: Olesen J et al: The Headaches. LWW, Philadelphia (USA) 2006: pp 613-617.
Giacomozzi AR, Vindas AP, Silva AA Jr et al. Latin American consensus on guidelines for chronic migraine treatment. Arq Neuropsiquiatr. 2013 Jul;71(7):478-86.