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Dor Crônica e seu Impacto

Dor Crônica e seu Impacto

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Resumo. A dor crônica (DC) é aquela que persiste por mais de 6 meses e que, diferentemente da dor aguda, não necessariamente tem uma função protetora. Alguns fatores de risco para DC são: idade avançada, sexo feminino, pessoas com desvantagem social, nível elevado de estresse, ansiedade e depressão. A cronificação de uma dor lombar em um executivo ilustrada na figura 1, levou a um importante impacto biopsicossocial: dor, insônia, polimedicação, intevenção médica, absenteismo, demissão no trabalho e litígeo. Tudo isso, enquanto a vida executiva segue lá fora. Uma forma bastante didática de entender o impacto da DC é o modelo biopsicossocial de Loeser (fig 2)

Diferença entre Dor Aguda e Crônica. A dor aguda (DA) em geral tem uma causa específica, tal como fratura óssea, ferimento cortante de pele, extração dentária, queimaduras, trabalho de parto etc. Paralelamente à DA ocorrem reações biológicas protetivas importantes para a manutenção e a sobrevivência dos seres vivos. Sinaliza que algo de errado está ocorrendo com o organismo (apendicite, enfarte do miocárdio), necessitando de diagnóstico causal, tratamento rápido e o mais eficiente possível. Em geral a DA regride uma vez tratada sua causa ou o tipo de lesão (furúnculo, ferimento, etc). Ao contrário, muitos tipos de DC persistem após 6 meses, e diz-se que ela necessariamente não tem as finalidades protetivas da DA. Tomando como exemplo a artrose de quadril e a de joelho, podemos verificar diferença em relação à DA por não existir uma finalidade, sendo a dor, o sofrimento e os comportamentos, em muitos aspectos, desnecessários, não protetivos e danosos para a sobrevivência. 

Dor Crônica como Doença. Estimativas populacionais indicam a ocorrência (prevalência) de DC em 40%, da população (Breivick H et al., 2006). A prevalência por mais de 6 meses (figura 3) aumenta com a idade, sendo mais frequente no sexo feminino em todas as faixas etárias.

Em termos de dores localizadas a dor lombar crônica é mais frequente (18%), seguida de joelho (16%), cefaleia (15%), ombro (9%), dor cervical (8%) e dor neuropática (8%), enquanto a dor disseminada (fibromialgia) tem prevalência de 10,6% a 13,5% da população, também com predomínio nítido no sexo feminino.

Hipóteses têm sido formuladas para explicar o porquê da existência de DC; por exemplo, as alterações reumatológicas e musculoesqueléticas (artrose, osteoporose) poderiam justificar o incremento na prevalência de DC em idosos. O sexo feminino, além de uma maior prevalência de DC, também apresenta dor mais severa, frequente e persistente, dados que em parte podem ser relacionados às alterações hormonais.  Fatores psicológicos e psicossociais, como elevação do nível de estresse, eventos vitais adversos (agressão, estupro), depressão e ansiedade são relacionados ao início tanto das dores localizadas quanto das disseminadas. A desvantagem social, quer em âmbito educacional e/ou econômico, aumenta o risco de DC.

O Impacto da DC na Vida. Uma boa forma de entender o impacto da dor crônica na vida de um indivíduo é o modelo biopsicossocial (Loeser Jd., 2000), o qual demonstra as interações entre dor, organismo e sociedade (figura 2),  demandando um tratamento diversificado. A nocicepção é a detecção da lesão tecidual pelos nociceptores (receptores de dor) em todo o organismo, os quais levam o sinal doloroso ao sistema nervoso central. A dor é percebida ou passa a existir, para o indivíduo, quando o sinal chega ao tálamo e às regiões corticais.

O sofrimento é uma condição em que a integridade biológica do indivíduo se encontra ameaçada. Isso ocorre quando a dor assume uma proporção importante e afeta a vida diária, como afastamento do trabalho, invalidez, redução nos rendimentos, etc. No sofrimento encontra-se presente um quadro afetivo e emocional profuso, composto de estresse, dor, ansiedade, medo e imaginação de morte. O sofrimento por si não significa depressão (embora possa levar a), e seu tratamento (por si) pode melhorar sobremaneira a dor.

Comportamento doloroso refere-se a atitudes pessoais em relação à dor, incluindo reações biológicas básicas, como caretas, proteção da área dolorosa, choro, gemido, posturas, assim como ações sociais complexas, como uso de analgésico, polimedicação, uso de muletas, dificuldades profissionais, absenteísmo. Um quadro de fundo emocional e moral negativo também ocorre aqui, com afastamento do trabalho, busca de aposentadoria, litígios referentes ao dano físico, raiva direcionada (a empregadores, companhias e médicos) e também relativos a danos financeiros e emocionais.

A figura 1 ilusta de forma sintética um executivo envolvido plenamente no modelo biopsicosocial: dor,  insônia, polimedicação, absenteismo, demissão no trabalho, intervenção médica e litígeo. Tudo isso, equanto a vida executiva segue lá fora. Embora nem todos os casos de dor crônica levem à expressão completa do modelo de Loeser, ele permite estabelecer um tratamento que engloba o biológico, o psíquico e o social, associando profissionais em uma atividade conjunta, incluindo psicólogos, fisioterapeutas, médico de dor, cirurgiões, num trabalho denominado clínica multidisciplinar da dor.

O que pode ser evitado (prevenido) em DC. Acredita-se que, quanto maior e mais prolongada a estimulação dolorosa sobre o sistema nervoso, mais ele fica predisposto à cronificação da dor, estando em maior risco os pacientes que desenvolvem quadro doloroso mais intenso e/ou em múltiplos locais (dor lombar, joelho e ombro, por exemplo). Desta forma, muitas dores podem se cronificar não por uma evolução mais severa da doença, mas por falta de diagnóstico precoce, falta de prevenção, por tratamento de baixa eficácia (como na automedicação), etc. Na fibromialgia, por exemplo, o diagnóstico médico pode demorar anos ou mesmo uma década, apesar de muitas consultas e exames.

Nas enxaquecas, os paciente em geral se automedicam com anti-inflamatórios por longos anos, procurando atendimento médico apenas tardiamente, quando o quadro já está frequente e associado a cefaleia por abuso de analgésicos, com ocorrência de dor na maior parte dos dias. Também muitos portadores de enxaqueca desconhecem que padecem desse transtorno, e também ignoram que a enxaqueca não é um sintoma porém uma doença com importante impacto em sua vida social.

Outro exemplo são as lesões por esforços repetitivos (LER/DORT), condição em que muitos pacientes se submetem a vários ciclos de tratamentos, com anti-inflamatórios, infiltrações, fisioterapias, etc. Neste caso frequentemente se esquece de que a prioridade do tratamento não é a medicação, mas o tratamento psicossocial, com melhora na ergonomia, nas condições de trabalho, no nível de estresse, com ginástica laboral, etc. O atraso no diagnóstico e na implementação de terapias adequadas são fatores favoráveis à cronificação.

Video de dor crônica relacionada a esforço repetitivo (LER/DORT). Este vídeo ilustra um caso de lesão por esforço repetitivo (atualmente denominada de doença osteomuscular), relacionada ao trabalho (DORT).

Comentário. Segundo o modelo de Loeser, nota-se um longo período de sofrimento e comportamento doloroso, assim como um tratamento que ficou restrito à dimensão biológica (nocicepção e dor), neste caso medicamentos e fisioterapia. O sofrimento é muito claro, com absenteísmo, medo de perder o emprego, descrédito junto ao trabalho, etc. Grande parte do sofrimento presente neste caso poderia ter sido evitada, com uma abordagem psíquica e social desde o início. A melhora só foi alcançada com intervenções no sofrimento e no comportamento doloroso com medidas cognitivas e comportamentais, isto é, com um melhor entendimento do processo doloroso, melhora da ergonomia no trabalho, ginástica laboral etc. Pode-se concluir que o aparelhamento técnico e profissional presente em nosso meio ainda é bastante deficiente, em vários âmbitos, no trato com a dor crônica, desde uma frágil formação profissional até uma precária organização das instituições de saúde etc.

Referências

Loeser JD. Evaluation of the pain patient. In: Loeser JD, Butler SH, Chapman CR et al: Bonica`s management of Pain, 3th ed. LWW, Philadelphia (USA) 2001: pp 265-278

Macfarlane GJ, Macbeth J, Gareth TJ. Epidemiology of pain. In:  McMahon SB, Koltzenburg M, Irene Tracey et al. In: Wall & Melzack Textbook of pain Ebook. Elsevier, Churchil, Livinstone 6th Ed, 2013.

McCracken LM. Pain and anxiety and depression. In: Fishman SM, Ballantine JC, Rathmel JP: Bonica`s Management of Pain, 4th ed. LWW, Philadelphia (USA) 2010: pp 1230-1237.

Stanos S. Pain rehabilitation. In: Fishman SM, Ballantine JC, Rathmel JP. In: Bonica`s Management of Pain, 4th ed. LWW, Philadelphia (USA) 2010: pp 1313-1330

 
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