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Enxaqueca

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Resumo. Os pacientes que apresentam enxaqueca frequentemente cometem erros sistemáticos em seu tratamento, o quais devem ser corrigidos: 1) a enxaqueca é erroneamente entendida e tratada como um sintoma ou seja, ela é entendida apenas como uma dor de cabeça, quando na verdade a enxaqueca é uma doença neurológica, genética e crônica, pouco diagnosticada e nem sempre tratada tratada de forma correta; 2) muitos pacientes sintomáticos desconhecem o quadro clínico de que são portadores; 3) as medicações analgésicas (automedicação é frequente) para crise, embora sejam de grande benefício, tornam-se um agravante da cefaleia quando usadas acima de 10 doses ao mês; 4) sinais de piora ou seja ocorrência de mais de 3 episódios de crise ao mês, são alertas para iniciar medicação profilática e; 5) a parte mais importante do tratamento é o estilo de vida, o uso do diário de cefaleia, o conhecimento dos fatores desencadeantes, reduzir o ritmo do estresse, manter atividade física regular, melhorar o sono, melhorar a alimentação, evitar o álcool etc.  O link para download do diário de cefaleia de autoria da sociedade brasileira de cefaleia, encontra-se nas referências ao final do capítulo; também o link para download do aplicativo enxaqueca buddy, encontra-se no final do capítulo

 

O que é a enxaqueca doença e a crise de enxaqueca. Erroneamente confundida como "apenas uma dor de cabeça", a enxaqueca (tabela 1) é uma doença neurológica, genética e crônica, pouco diagnosticada e pouco tratada, que cursa com crises de cefaleia associada a outros sintomas. Muitos pacientes sintomáticos desconhecem o quadro clínico de que são portadores, fazem auto tratamentos e abusam de medicações analgésicas; este conjunto de crenças errôneas sobre enxaqueca é uma das principais causas das falhas de tratamento. A classificação internacional de cefaleias especifica dois tipos similares de enxaqueca, a enxaqueca sem aura (Tabela 1) e a enxaqueca com aura; a aura é fenômeno que precede a crise em 10 a 20% dos casos, sendo mais comum a ocorrência de uma aura visual, a qual pode ser precedida de sintomas premonitórios

Fatores desencadeantes. Aos fatores genéticos, Interagem os fatores ambientais conhecidos como gatilhos da enxaqueca, os quais são variáveis de caso a caso; é importante que cada paciente identifique seus próprios gatilhos e a melhor forma de fazê-lo é utilizando o diário de enxaqueca, anexado ao fim deste capítulo. Os gatilhos mais frequentemente relatados são: estresse, emoções, alterações no sono, pular horário da refeição, jejum prolongado, uso excessivo e prolongado de cafeína, ingestão de álcool, período menstrual na mulher e alguns alimentos. 

Os alimentos mais comumente citados são queijos, embutidos, chocolate, adoçantes com aspartame etc; salientamos entretanto que que o consenso brasileiro (Bordini et al., 2016), não recomenda que pacientes façam utilização de listas de alimentos, sendo importante o uso do diário de cefaleias. Alterações no sono também são importantes incluindo dormir mal, dormir pouco ou dormir muito e dormir fora do horário habitual

Sintomas premonitórios e  aura. Antecedendo a crise por 2 dias ou algumas horas, existem os sintomas premonitórios, tais como tornar-se ansioso, dificuldade de se concentrar no que está fazendo,  um desejo incontrolável de comer doces, bocejos etc. A  dor da enxaqueca com aura é similar à enxaqueca sem aura. A aura (figura 1) sendo o resultado de alterações que ocorrem em várias áreas do sistema nervoso central, com sintomatologia variada e que pode levar o paciente a pensar que está tendo um derrame. Um aspecto tranquilizador da aura é que em geral ela dura no máximo uma hora.  O principal tipo de aura é a visual com a ocorrência de uma figura similar a um zig-zag brilhante (também chamada espectro), a qual vai tomando todo um lado da visão (figura 2) e posteriormente desaparece com o início da cefaleia.

Outros tipos de aura visual são os pontos luminosos ou escuros, interferindo na visão, podendo ocorrer nos dois olhos. Na aura sensitiva o paciente têm sensações de picadas e formigamentos afetando parcial ou totalmente um dos lados do corpo, mais comumente, esta aura inicia-se pela mão e posteriormente envolve a região da boca e língua (figura 2). Um terceiro tipo de aura, são as alterações na fala ou linguagem, com dificuldade na pronúncia de algumas palavras ou mesmo uma confusão mental; as alterações na fala podem seguir às alterações sensitivas descritas acima. A aura motora, é  um déficit motor (paralisia) que ocorre em pacientes portadores de um quadro hereditário (raro) conhecido como enxaqueca hemiplégica, nesta entidade, o déficit pode comprometer parte de um membro ou um lado completo do corpo.

A Crise de Dor. Com aura ou sem aura, a crise de enxaqueca típica, ocorre em apenas um lado do crânio (hemicraniana), mais raramente ocorre bilateralmente. Ao quadro doloroso associa-se variavelmente, um mal estar adicional (acompanhamentos) com incômodo à luz (fotofobia), incômodo ao som (fonofobia), náuseas ou vômitos. Durante a crise o paciente em geral toma seu medicamento e prefere ficar em um quarto escuro, não conseguindo fazer atividades pois a dor além de ser moderada a severa, é agravada pelos esforços físicos. 

Tratamento não farmacológico. Os pacientes sempre vão ao consultório do neurologista em busca de novos medicamentos no tratamento da enxaqueca, esquecendo-se de que a principal etapa do tratamento é não farmacológica. O neurologista ou médico de dor devem em primeiro lugar orientar os pacientes e seus familiares, de que a enxaqueca não é uma simples dor de cabeça, mas uma doença biológica que pode durar desde a infância a até a senilidade, podendo ter grande impacto no trabalho, família, humor etc. Em segundo lugar deve-se enfatizar a adesão ao tratamento, evitar o autotratamento e fazer uso do diário de enxaqueca; o diário permitirá ao paciente a identificação precisa dos seus fatores desencadeantes (gatilhos), possibilitando medidas preventivas mais específicas. Em terceiro lugar, melhorias adicionais serão obtidas com a adoção de um estilo de vida regular e adaptados aos fatores desencadeantes e gatilhos, a melhoria do sono  (ver capítulo de insônia), atividade física regular (pelo menos 3 dias na semana), redução no consumo da cafeína e do álcool.

Ainda no tratamento não farmacológico, a acupuntura é hoje um tratamento aprovado no tratamento da enxaqueca fora do período das crises, tendo um tamanho de efeito aproximadamente similar ao das medicações profiláticas (Linde K et al., 2016), descritas abaixo. Para casos selecionados podem ainda ser indicados biofeedback e terapia cognitiva comportamental. Algumas medidas não farmacológicas podem surtir algum efeito durante as crises: o repouso em um quarto escuro e uma compressa gelada aplicada na fronte, pode dar alívio para muitos e o hábito de dormir pode aliviar alguns.

Tratamento farmacológico da crise. Em adultos e mulheres não grávidas, é feito com medicações específicas e inespecíficas, as específicas sendo os triptanos e derivados da ergot e as inespecíficas os antiinflamatórios não hormonais (AINES). Crises leves podem ser tratadas com paracetamol, ou AINE tais como ibuprofeno, naproxeno e diclofenaco. No brasil os principais triptanos são o sumatriptano, naratriptano, zolmitriptano e rizatriptano, sendo utilizados em crises de intensidade moderada a forte; o médico poderá combinar um triptano com AINE, na dependência da resposta do paciente uma vez que a associação de triptano com AINE têm efeito aditivo.

Dos  triptanos o sumatriptano subcutâneo é o mais eficiente por ter um efeito mais rápido, em segundo lugar fica sumatriptano nasal e posteriormente o oral. Substâncias dopaminérgicas tais como metoclopramida e domperidona além de serem usadas como antiemético, potencializam (independentemente da náusea) o efeito dos AINES e triptanos. Mais raramente, o uso concomitante de corticosteróide ou neuroléptico pode ser necessário, mas, o uso de opióide não é indicado. Importantíssimo salientar que o uso excessivo de medicação abortiva acima de 10 doses ao mês, é um dos principais agravantes da enxaqueca, levando a cefaleia por abuso de analgésicos

Cefaleia por abuso de analgésicos. Esta cefaleia é definida como quando a dor  pré-existente, piora e passa a ocorrer por ≥ 15 dias ao mês, e o medicamento (s) tenham sido utilizado (s) por ≥ 3 meses. Este tipo de cefaleia pode ocorrer com a maior parte dos medicamentos abortivos como analgésicos comuns, triptanos, ergotamínicos, cafeína, opioides e associação destas substâncias entre si. A cafeína é a medicação com maior potencial ao desenvolvimento de cefaléia crônica diária. É importante que o paciente perceba o abuso, e que o médico faça uma suspensão programada da (s) medicação (s), diversifique o tratamento etc, fato que deve resultar em melhora.  

Tratamento farmacológico profilático. Está indicado quando ocorrer um número maior que 3 crises ao mês, ou mesmo quando um número menor de crises cursa com incapacitação importante na família, no trabalho etc.  Estas medicações (tabela 3) reduzem o número e intensidade das crises, assim como o consumo de analgésicos, facilitando o tratamento da cefaleia por abuso de analgésicos. 

Em geral uma destas medicações é introduzida em dose baixa,  seguido de um aumento progressivo da dose e os resultados sendo avaliados após 2 meses, ocasião na qual, deve-se considerar como efeito satisfatório uma redução de 50% das crises; neste caso o tratamento pode se mantido por 6 meses, ocasião em que a droga deve ser descontinuada lentamente. Este tratamento é em parte rejeitado por muitos pacientes em virtude de utilizar medicações controladas. Na escolha da medicação, deve-se levar em consideração a presença de comorbidades associadas à enxaqueca por exemplo, se existe fibromialgia o uso de amitriptilina pode ser uma boa opção, se existe angina pectoris a escolha pode ser pelo β bloqueador, no caso de obesidade considera-se o topiramato e em caso de bipolaridade o divalproato de sódio etc.

Referências

Bordini CA, Roesler C, Carvalho Dde S, Macedo DD, et al. Recommendations for the treatment of migraine attacks - a Brazilian consensus. Arq Neuropsiquiatr. 2016 Mar;74(3):262-71

Cutrer FM, Olesen J (2006) Migraine with aura and their subforms. In: Olesen J et al: The Headaches.  LWW, Philadelphia, USA (2006) pp 407-421.

Enxaqueca. Em: ICH3-Beta (2014) Classificação Internacional de cefaleias. Edição portuguesa (Portugal) da International Classification of Headache Disorders (ICH3 bet (2013) 3ed, pp 23-34.

Enxaqueca budy. Disponível em: https://play.google.com/store/apps/details?id=com.healint.migraineapp

 Sociedade Brasileira de Cefaléia. Díario de cefaléia. Disponível em  https://drive.google.com/file/d/1VmzqLNTrGmljwm8-Au73Fpl2lMpIe1-s/view?usp=sharing

Mathew NT et al (2006) General and pharmacological approach to migraine management. In: Olesen J et al: The Headaches.  LWW, Philadelphia, USA (2006) pp 433-440

Silberstein SD. Preventive Migraine Treatment. Continuum (Minneap Minn) 2015 Aug; 21(4 Headache): 973-89

Zagami et al (2006) Symptomatology of migraines without aura. In: Olesen J et al: The Headaches.  LWW, Philadelphia, USA (2006) pp 399-405.

Linde K, Allais G, Brinkhaus B, Fei Y, Mehring M, Vertosick EA, Vickers A, White AR. Acupuncture for the prevention of episodic migraine. Cochrane Database Syst Rev. 2016 Jun 28;(6):CD001218

 

Anexo 1: diário de cefaleias

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